— Aceita mais uma dose de uísque, senhor?
— Não, obrigado.
— O senhor está esperando alguém?
— Estou sim. É um amigo meu... — respondi, entediado, enquanto olhava rapidamente para o relógio de pulso. — E ele está atrasado... Tomara mesmo que ele tenha um bom motivo para isso... — senti meus músculos enrijecerem.
O barman assentiu distraidamente, concentrando-se em preparar a bebida de outro freguês, que havia acabado de se sentar ao balcão, a cinco bancos de distância. Estava acompanhado de uma loura exuberante que sussurrava obscenidades ao pé do ouvido. Uma prostituta, a julgar pela qualidade de suas roupas. A beleza vulgar perante a imponente maturidade do homem constituía o mais grotesco dos contrastes. A aliança no dedo dele revelava seu patético gesto de infidelidade.
O que um ser humano não é capaz de fazer por dinheiro? Submeter-se a mais imunda e abjeta gente, expor a todos suas chagas morais, estar à mercê de inimagináveis desventuras; para, só assim, sustentar sua medíocre existência?
Eu sempre soube, mais do que muitos, o que alguém faz para ter acesso a uns trocados a mais. E era por isso que eu estava ali. Pelo dinheiro.
Por causa do maldito dinheiro.
E eu não sairei daqui sem ter minha grana de volta.
Quem aquele infeliz pensava que fosse, ao me deixar plantado num bar, com os olhos vermelhos e cansados e cheirando a um bêbado encardido? Se ele demorasse mais meia hora, eu iria socá-lo e...
Sacudi a cabeça, tentando me desvencilhar de pensamentos que só me deixariam furioso e estressado. Ocupei-me de contemplar a decoração do local e de absorver a atmosfera do fim de noite. As luzes de neon dominavam o contorno das prateleiras onde ficavam as garrafas de bebidas. Os bancos eram de couro vermelho. Pôsteres de grandes estrelas do cinema e da música dos anos 1950 e 1960 eram iluminados por molduras de pequenas lâmpadas amarelas. Um letreiro arroxeado, também de neon, pendia acima do palco, com os dizeres Jazz Bar. A não ser pela iluminação proveniente das lâmpadas espalhadas, o bar estava no escuro.
Havia uma banda de jazz tocando ao vivo para meia dúzia de pessoas. Não que o bar fosse decadente, e sim porque já devia passar de uma da manhã. Em tempos como aqueles, não se costumava ficar até tarde na rua. A madrugada de sábado para domingo saboreava-se ao som do sax e de algumas notas do piano ao fundo.
O ambiente era perfeito. Deixei-me levar pelo som de Charlie Parker.
No instante em que os músicos começaram a tocar All the things you are, ele entrou no bar.
Estava pálido e encharcado. Com o alto volume da música, eu nem percebi que chovia torrencialmente lá fora. Seus olhos escuros se encontraram com os meus. Ele congelava por dentro, visivelmente abatido por me encontrar ali, mesmo tenho certeza de que eu estaria ali, de qualquer forma.
Sentou-se no banco ao lado do meu, e logo começou com suas tolas explicações.
— Olha, antes de tudo, eu preciso que você entenda que...
— Eu já te dei tempo o suficiente — respondi, seco. — O que houve dessa vez?
— É que surgiu um imprevisto. Eu atrasei no pagamento da pensão alimentícia para minha ex-mulher e tive que pagar, senão, eu iria para a cadeia e...
— Ah, quer dizer que você quase foi preso! — interrompi. — Não sabe a angústia que me daria ver um de meus melhores homens na cadeia! — dei-lhe um tapa nas costas. — E tudo por causa de uma vagabunda que acha que tem direito sobre os seus bens...
— Não! — redarguiu, trêmulo. — Nós temos uma filha juntos e, como ela mora com a mãe, bem, eu devo fornecer a ela o melhor que eu puder.
— Não se preocupe com isso, filho. — eu sorri para ele. — Pode me pagar quando puder. Enquanto isso, tome um drink. — apontei meu copo para ele. — E esse é por minha conta...
— Ob-Obrigado. — ele desconfiava de minha repentina simpatia, visivelmente apreensivo. Podia ser tudo, mas não era burro. — Mas... Eu tenho que ir agora.
— Não se vá. É tão tarde que chega a ser cedo... — disse, rindo.
— Desculpe, eu não posso ficar mais tempo. Minha menina veio passar o fim de semana comigo, e eu a deixei dormindo sozinha no meu apartamento. Se ela acordar e não me ver lá... As coisas vão pesar bastante para o meu lado. — ele respondeu, levantando-se do banco.
— Já que é assim, eu vou acompanhá-lo. Você quer uma carona até o seu prédio?
— Não, não precisa. Eu pego um ônibus.
— De qualquer forma, eu vou com você. — peguei minha carteira, retirei cinco pratas de lá e coloquei-as em cima do balcão, como pagamento pela minha dose dupla de uísque. Levantei-me do banco. Saímos do bar.
Àquela hora da noite, a chuva já havia parado, o céu estava límpido como nunca, e sem estrelas. Alguns carros velhos estacionados na calçada em frente ao bar pareciam não ter dono. Eu deixara o meu num beco atrás do bar, distante dos outros. Aquele otário, obrigatoriamente, passaria por ali para chegar até o ponto de ônibus. Que incrível coincidência, não?
Seguimos andando pela rua. Demorei-me alguns momentos, ficando a poucos metros atrás dele. Ele já estava decidido a ir embora, como se não houvesse mais ninguém ali.
Entretanto, ele era só um infeliz entre tantos outros que já fizeram inúmeros empréstimos comigo. E que não pagaram. Uma coisa que eu não suporto em pessoas necessitadas é a incrível habilidade que elas têm de provocar-lhes compaixão. E, assim, conseguem tudo o que querem. Fazem promessas vazias, pedem piedade.
Obviamente, não se deve acreditar nelas. Faz parte de seu teatral disfarce.
Elas têm o poder de te deixar impotente, como aquela prostituta no bar.
O imbecil me deixou numa posição tão ruim quanto a daquela vadia!
Saquei meu revólver de debaixo do paletó.
Ele continuava caminhando, em câmera lenta, como se nada fosse...
Apertei firme o gatilho.
Um primeiro tiro.
Dois.
O sangue negro jorrou pela sua camisa social.
Pelas costas.
E acabou.
A lua sorriu. Era crescente.
A noite era bela.