Eu não sou o que você espera de mim, e creio que nunca serei. Sob sua frágil e trêmula sombra, obtive apoio, antes mesmo de alcançar a habilidade de refletir sobre os seus atos. Antes mesmo de eu perceber que era tão-só um simples espelho suspenso na parede do quarto, e que refletia apenas sua imagem distorcida.
A matemática implacável do tempo seguiu com seu percurso, privando-me de coisas maravilhosas. O contentamento que floresceu diante de meus olhos ao descobrir quem eu era foi medíocre em relação à minha monstruosa decepção quando eu constatei quem eu não era.
Graças ao fatal despertar da alma, desprendi-me de seus sufocantes tentáculos para atirar-me nos braços de meu eu. Entretanto, se não fosse pedir muito, eu gostaria ainda que você revesse alguns pontos, caso ainda seja capaz de me perdoar.
Desculpe se o meu raciocínio não é tão rápido quanto você queria que fosse. É que às vezes eu não consigo pensar com clareza, e você só piora tudo no momento em que insiste em vociferar e rugir.
Desculpe se eu não corro tão rápido a ponto de ser classificado para participar das Olimpíadas. As chuvas fortes de janeiro e, por conseguinte, a gripe, me enfraqueceram estupidamente, aliadas, é claro, ao seu rigoroso e equivocado treinamento. E meu precoce desinteresse por esportes.
Desculpe se eu não me expresso tão bem quanto deveria.
Desculpe se eu não tenho nenhuma habilidade especial da qual você possa se gabar na TV.
Desculpe por eu ter sido inapto a aprender a tocar piano aos três anos e compor um Prelúdio aos oito.
Desculpe por eu não ter puxado sua beleza ou a sua inteligência. É necessário ressaltar que eu sou um novo ser, e não uma versão reduzida de você, o que, provavelmente, foi seu mais profundo desejo ao decidir me conceber.
Eu não sou seu sonho realizado, nunca fui, mas, sim, tinha os meus próprios sonhos a realizar. Por mim e para mim.
E você se revelou extremamente competente ao destruí-los.
E você se revelou extremamente competente ao destruí-los.
Desculpe se as nossas conversas constituem-se basicamente de monossílabos. Torna-se quase impossível falar de maneira clara e objetiva enquanto você me fuzila com o olhar do outro lado da mesa de jantar.
Desculpe se eu tenho perdido o interesse em você ultimamente.
Desculpe se eu demoro a responder às suas perguntas.
E, por fim, desculpe-me se eu não correspondo ao padrão pré-estabelecido de perfeição.
Eu sou só aquele que é comumente denominado...
... Filho.