domingo, 23 de janeiro de 2011

Brand New World - 2



   O beco escuro custou a adormecer. 
   Estava atormentado com o sangue que escorria pelos seus sinuosos acessos. Ainda assim, permaneceu silencioso. Não protestou. Não ouvi ranger de dentes por trás das portas fechadas a correntes de ferro.  
   E havia um terremoto se iniciando. Será que era por isso que eu não era capaz de manter o equilíbrio? Ou era porque eu apoiava minha cruz em um ombro só?
   Continuei cambaleando por mais alguns metros, até tombar no chão de pedra-sabão. Estava gelado. A lua não fora convidada para prestigiar aquela noite. 
    A luz do único poste presente ofuscava minha visão. Debati-me desesperadamente, desejando que o chão se partisse e eu fosse direto para o Inferno. Mas isso não era possível. Eu já estava no Inferno. Não creio que exista lugar pior. Se existir, leve-me para lá, e torço para que não saibam falar a minha língua e que eu me torne intocável. 
    Uma série de imagens desconexas e horripilantes me atingiram como a um raio. Com a intensidade do choque, levantei-me num só movimento e comecei a correr. O quarto onde o J. morava era um pouco mais a frente, primeira esquina à direita. 
    Alcancei a porta. Toquei na madeira repetidas vezes, pura necessidade de saber ser era real. Peguei na maçaneta e girei-a.  
    A porta estava destrancada. 
    Péssimo sinal.  
    Ou os fiscais haviam invadido o cômodo e levado o J. para interrogatório ou o J. já estava morto. 
     Irrompi porta adentro. 
    J. estava sentado na cama velha e pequena do quarto. Toda a iluminação ali vinha do notebook  de J. A luz estava fraca, a bateria, no fim. Naquela área da cidade, a energia elétrica fora cortada há algumas semanas, o que levou muitos moradores a se mudarem para a casa de parentes, em bairros mais afastados do Centro. Ninguém ousou fazer reclamações. J. e eu éramos os únicos ali. E também os únicos dali que faziam parte da Resistência. A máxima que predominava era: "Coragem é sinônimo de burrice". Se fosse assim, nem teríamos cérebro.  
    Talvez "coragem" fosse a palavra errada. Era mais um sentimento de revolta, de querer mudar a realidade, mas sem saber como. E nosso único apoio estava muito distante. Muito em breve, seríamos forçados a nos distanciar da proteção daquele quarto escuro e recarregar a bateria do computador. Mostrar para um de nossos companheiros da Resistência que ainda estávamos vivos. 
    Aliás, J. e eu éramos um caso raro de membros da Resistência. A maioria deles vivia em requintados apartamentos na área nobre da cidade, ocupando cargos públicos e fingindo levar uma vida normal. E o principal: moravam sozinhos. Um deles, identificado como K., achava que éramos totalmente loucos.  " Quanto mais pessoas, mais problemas ", dizia. 
    Ele é que estaria em problemas caso o Governo decidisse investigar a vida de cada um de seus funcionários. Problemas muito, muito sérios. 
    J. fechou o notebook
    — Já não era sem tempo. O que aconteceu? — J. guardou o computador no esconderijo habitual, no alçapão debaixo da cama. Podiam nos encontrar, mas nunca achariam os documentos confidenciais aos quais tínhamos tido acesso. 
    Ele olhou-me da cabeça aos pés. E foi justamente nos pés que ele prestou mais atenção. Ficou boquiaberto. Recuou. 
    — Não me diga que... — sua frase morreu no ar. 
    — Sim — soltei o ar. 
    — Você a matou! Você deixou-a morrer! — ele vociferou, aproximando-se de mim.  — Sua... Sua... Vadia! 
    J. me deu um tapa tão forte no rosto que eu caí. 
    Agradeci a mim mesma por estar sentindo dor. 
    Ao me ver no chão, ele se assustou com a própria força, empregada sem medidas. 
    — Ah, Zeus! Me desculpe — ele ofereceu o braço para que eu pudesse me levantar. 
    Recusei sua ajuda. Permaneci no chão. Ele se sentou ao meu lado. 
    — Eu mereço. Eu vi-a sendo espancada e não fiz nada. Eu devia tê-la deixado fugir antes. Os fiscais pediriam meus documentos, me interrogariam, descobririam que eu pertenço à Resistência e me dariam um tiro na nuca. Só isso. O que fizeram com a 7768 foi muito pior. 
    — Não, não se culpe — ele me envolveu com seus braços — Isso tinha que acontecer, de uma forma ou de outra. — J. beijou a minha testa com ternura — Por favor, me perdoe. Não se preocupe, essa foi a primeira missão  na qual você falhou. Eu também já errei muitas vezes. Mais do que você, até. Não deixa isso te abalar. 
    — Eu pensei que ser fria fosse o mesmo que ser forte. E eu nem sou tão fria quanto imaginei e nem tão forte quanto gostaria de ser. —  aconcheguei-me mais em seu peito. 
    Nos calamos por alguns momentos. J. se enrijeceu um pouco, incomodado com o silêncio.
     Tenho a lista de mais algumas pessoas que devemos encaminhar para o estrangeiro. — ele se afastou de mim para pegar um pedaço de papel no bolso da calça. Abriu-o e entregou-me. 
    Eu li os nomes, as descrições e os números de identificação correspondentes. Sangue correndo nas veias e pelas ruelas do purgatório, cabelos, cérebro, olhos e boca, ouvidos e nariz, tudo resumido a um número. Não passamos de códigos e rótulos inadequados.  Grande parte, mulheres que haviam sido destinadas à procriação, sem levar em consideração seus sentimentos e sonhos. 
    Uma lágrima brotou de um de meus olhos, percorreu meu rosto e finalmente caiu no papel. Respirei fundo e sequei os olhos, para que outras lágrimas como aquela jamais caíssem. 


    
     
     
   

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Brand New World

                                  
   O calor escaldante do Sol  de janeiro era quase insuportável, mesmo para aqueles que já estavam acostumados com as altas temperaturas. Acostumar-se é um verbo que não existe no dicionário dos habitantes deste canto esquecido do mundo. Parece que há sempre algo sendo planejado por trás dos colossais muros de sangue, prestes a surpreendê-lo(a) ou devorá-lo(a).
   O motivo de minha ida até a praia não era lazer — nunca vi graça nenhuma em ter milhões de grãos de areia dentro do short ou do biquíni e entre os dedos e as unhas dos pés. Portanto, o litoral seria o último destino da minha rota de férias. 
   Refugiei-me debaixo de uma barraca branca com listras azuis. Dali, era possível se ter uma ampla visão do límpido e cristalino oceano. Por mais que fosse duro ter que admitir, eu gostava da praia. Pelo menos enquanto eu me transportava para a posição de espectadora, alheia aos acontecimentos. 
   Vestia uma camiseta larga e vermelha, short jeans curto e sapatilhas, só para que o meu encontro pudesse ser capaz de me identificar. Virei-me, de modo a avistar a cidade a minha volta, buscando um mísero sinal dela. 
    Localizei uma moça de pele alva, cabelos crespos e ruivos, sardas sobre o nariz e ao redor das bochechas. Também era alta e um pouco desengonçada, do tipo que, caso se descuidasse e falasse de mais, poderia ser morta a tiros de fuzil numa das esquinas ou becos dessa cidade sem lei. 
    Olhou para todos os cantos, uma mão acima do rosto, a palma virada para baixo, imitando a aba de um boné, de modo a proteger os olhos do Sol. Nossos olhares se encontraram em meio ao mormaço e ela abriu um largo sorriso ao me reconhecer, quase involuntário. 
    Aproximou-se de mim, ainda receosa. 
    — Boa tarde, eu sou a...
    Pousei dois de meus dedos sobre os seus lábios, impedindo-a de completar a frase. Cumprimentos e apresentações eram absolutamente dispensáveis.
    — Você trouxe a tinta? Eu preciso tingir meus cabelos... — passei os dedos pelos fios.
    Desta vez, ela não me respondeu em palavras. Limitou-se a mostrar a caixa com a tintura para cabelos, de marca desconhecida. Ambas sabíamos que meu interesse ali tampouco era mudar a cor natural de minhas madeixas. A estética não era  o assunto a ser tratado naquele dia. 
    Afastei-me da proteção da barraca de praia. Segui a jovem e caminhamos pela areia até chegarmos ao asfalto. 
    A ampla avenida cuidadosamente desenhada projetava-se diante de nós como uma horrenda pintura. Acompanhei os passos ligeiros da ruiva, e nos deparamos com um prédio absurdamente colorido, uma afronta ao cinza-escuro quase ditatorial que dominava a cidade. Ela fez um sinal para que parássemos ali e lançou-me um olhar de puro embaraço, enquanto retirava um molho de chaves do bolso da calça e abria a porta branca da entrada principal. 
    Já dentro do edifício , encontrei-me em corredores estreitos de mais para que duas pessoas   pudessem andar uma do lado da outra. Deixei que ela fosse na frente, uma vez que aquela era sua residência. 
    Ela me conduziu pelo interior do prédio, transitamos pelos corredores e escadas que davam acesso ao subsolo. Identificou seu apartamento, era uma das últimas portas. 
    Desperdiçamos preciosos segundos abrindo todas as trancas que, aparentemente, transmitiam a sensação de segurança para quem estava dentro do cômodo, atrás daquela frágil porta de madeira. Entretanto, tínhamos consciência de que tudo aquilo possuía caráter ilusório: os cadeados e as complexas combinações jamais seriam suficientes para nos proteger das mãos assassinas do governo e do sistema instaurado. Muito menos dos bandidos que tocavam o terror após o toque de recolher. 
    Assim que a porta foi aberta, corremos para entrar, temerosas. Acabamos nos chocando uma contra a outra, o que ocasionou um atraso de 2 segundos no tempo que deveríamos levar para entrar. Cada milésimo de segundo podia ser o último. 
    O apartamento da moça ruiva bem poderia ser chamado de apertamento, pois era só um cubículo. Como alguém poderia viver ali?
    Na realidade, o espaço era equivalente a um quarto pequeno e havia sido preenchido com uma bicama, um criado-mudo e um guarda-roupa. As paredes eram tão coloridas quanto a fachada do prédio: uma tentativa fracassada de ressuscitar a alegria há muito perdida. 
    A jovem pediu gentilmente que eu me sentasse na cama de baixo, o que eu prontamente fiz, após encontrar certa dificuldade, o chão era escasso ali. Ela preferiu ficar de pé, tamanha apreensão. Ali, longe das câmeras que nos perseguiam por cada esquina, cada poste, cada árvore, cada loja... Estávamos rodeados delas, sendo monitorados 24 horas por dia.  Cada movimento poderia ser mal-interpretado. Só presos dentro de nossos próprios casulos é que poderíamos nos sentir realmente seguros. Ou não. 
    A sorte, a única esperança (chame do que desejar) era que as escutas ainda não haviam sido instaladas dentro das casas. Quando essa hora chegar, não poderemos mais abrir a boca. O controle. O poder. É isso que eles querem... E estão conseguindo, a passos largos, além de esmagar nossas expectativas de futuro com seus pés gigantes. 
    Ela fez um sinal para que eu começasse a falar, incentivando-me a não sentir medo. Eu hesitei. No instante em que notei que ela estava prestes a desanimar, soltei:
    — Seu filho...
    Mal terminei de falar, a jovem desmoronou, aos prantos. A sonoridade de suas lágrimas não provocaram nenhuma emoção em mim. É como se nada fosse real ou talvez eu estivesse apenas imersa num mundo que permanecia acima da minha capacidade de compreensão. Resolvi ser o mais prática possível. 
    — Ele está nesse endereço. —  mostrei-lhe o papel com o nome da rua escrito em letras grandes e legíveis, certa de que ela enxergaria. Ainda com lágrimas nos olhos, ela leu o endereço e assentiu.  — Vá, antes que seja tarde demais. —  acrescentei, procurando expressar algo parecido com a dor. 
    — Eles estão nos matando... —  ela murmurou, enxugando os olhos. 
    — Não. É bem pior. Eles querem que matemos uns aos outros. 
    Repentinamente, fui envolvida pelo seu abraço desesperado. Retribuí, esperando não parecer tão fria quanto eu era. 
    Ouvimos passos vindos do lado de fora. Ela se distanciou de mim e rapidamente alcançou a porta. Espiou pelo olho mágico. 
    — Oh, meu Deus! 
     Isso só podia significar uma coisa:fiscais do governo. Mas o que eles levariam dali? Ela não tinha dinheiro escondido, tinha? Porque, se tivesse, era certo de que a nossa certidão de óbito já havia sido impressa. E a morte seria só o começo. 
     Eu não ousava imaginar o fim. 
     Subi em cima da cama e apressei-me em abrir a janela. Até eu perceber que não havia janela nenhuma ali. No lugar dela, um gigantesco quadro de Frida Kahlo, Diego en mi pensamiento. E eu que pensava que Piet Mondrian fosse mau gosto. 
      — Tira o quadro, rápido! — ela estava quase se mordendo para não gritar.
      Fiz o que era ordenado e, para minha surpresa, havia um estreito túnel atrás do quadro e não um cofre. Olhei novamente para a moça, perguntando-me o que devia fazer então. 
      — Fuja!
      — E você?
      — Eu vou ficar bem, fuja!
      Enfiei-me no túnel, mesmo sem ter um porte atlético. Os primeiros três metros foram dificílimos de atravessar. Eu era como uma minhoca na terra, não sentia braços nem pernas.  Não via nada além da escuridão. Continuei seguindo em frente, até que a largura do túnel aumentou consideravelmente, sendo possível movimentar os membros, tanto superiores como inferiores. Embora estivesse praticamente cega, corri na velocidade da luz. Meus pés mal tocavam o chão de terra molhada. 
     O túnel terminava em um beco, iluminado pela fraca luz de um poste. Ao longe, pude ver a jovem ruiva e os fiscais do governo.  Imediatamente, escondi-me atrás de uma saliência de um dos prédios caindo aos pedaços. Mal ouvia o som da minha própria respiração, esforçando-me ao máximo para escutar o que estava se passando a minha frente. 
     — É ele sim! — a mulher gritou, novamente deixando a emoção transparecer na voz. —  Por favor, não o matem! 
     — Já revistaram a pocilga onde ela mora? —  o homem que parecia ser o "líder" da operação perguntou a um de seus companheiros ,que carregava um objeto envolto em uma lona, ambos ignorando os suplícios da mãe. 
     — Sim, senhor. Não há nada além desse quadro. —  ele retirou a lona e mostrou o quadro ao outro. 
     —  Que droga! E eu pensava que aquela pintura com os retângulos coloridos fosse de um tremendo mau gosto. Quanto será que isso vale?
     —  Não muito. Parece que é falsificado. E uma falsificação bem barata. E pesada. 
     — Já que não tem nada a não ser isso... Eu acho que essa sua arte ainda pode nos fazer uma boa coisa.  
     Dizendo isso, o líder tomou o quadro nas mãos e começou a batê-lo contra a moça ruiva. 
     O primeiro golpe foi na cabeça. O impacto fora tamanho que a tela se rasgou. O rosto dela correspondia ao de Frida Kahlo agora. Só que ensanguentado.  Os homens riram. Não contentando-se com o estrago já feito, puseram-se a desferir socos e pontapés contra ela. O sangue escorria pelo beco sombrio. O único som que se ouvia eram as sonoras  e mesquinhas gargalhadas, recheadas de maldade. 
     Engoli em seco.
     O sangue da jovem percorreu toda a rua, até se aproximar bastante de mim. Deixei que uma gota tocasse na ponta de minha sapatilha. Era o preço da covardia. Ter seu sangue aos meus pés. 
     Sem fôlego, segui por outro beco próximo, sendo este mais iluminado. Cambaleei por alguns instantes, tonta devido ao cheiro do sangue. Mas nada pesava mais do que o remorso. 
     Ela estava certa. 
     Eu estava errada. 
     Eles não querem que matemos uns aos outros. Preferem se encarregar eles mesmos dessa sórdida tarefa. 
      Eles estão mesmo nos matando. 


      
     
      
     


     
      


    
 

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Big Apple

  
  Nova York. A cidade que nunca dorme. Fui visitá-la, sem preocupar-me com as mais sutis regras de etiqueta. Não tenho passaporte nem passagem. Uns dez dólares no bolso e dois amigos a tiracolo. 
  Ainda é de manhã. Pego carona num conversível vermelho, um contraste em meio a tantos táxis amarelos e carros de passeio azuis. Sorrio ao ver as lojas de grifes famosas e mais alguns pequenos e abarrotados cafés, lugares agradáveis onde um aspirante a escritor pode buscar inspiração. Conversas nos mais variados idiomas, sotaques quase impossíveis de distinguir. Ambientes distintos reunidos em um só quarteirão.Tudo o que faz com que a Big Apple seja o que é hoje.
   Observo o essencial e capto olhares de todos os humores. Sinto-me frágil e insignificante perante aos monstruosos arranha-céus. O que me alivia é saber que não sou a única.  Duas palavras que podem ou não se encaixar: frieza e solidão. 
   Peço para que o carro pare em frente a uma loja de presentes.  Desço, juntamente com meus amigos, empurro a porta de vidro. Um sininho preso no alto da soleira da porta toca, anunciando nossa entrada. Dois dos vendedores ocupam-se com alguns clientes, perguntando-lhes se querem os bichinhos de pelúcia que estão em cima do balcão embrulhados para presente, qual fita escolher para enfeitá-lo... Três jovens observam as miniaturas de porcelana nas estantes, encantados. 
   Percorro todos os produtos da loja com um rápido e atento olhar. Uma bolsinha de couro, em formato de peixe, me atrai. Preço: dez dólares e noventa e cinco centavos. Não considero certo pedir algumas moedas emprestadas a meus amigos, eles já tem suas despesas em lembrancinhas para suas famílias. Logo desisto de presentear-me. 
   Minha amiga cumprimenta uma das vendedoras, num inglês incompreensível.  A moça parece não se importar e reage positivamente a sua chegada. Meu outro amigo apresenta-se e aponta o que quer comprar. É apenas um chaveiro, com os dizeres "Eu amo Nova Iorque", em inglês, um grande coração vermelho substitui o verbo amar. É uma souvenir bem típica. Cada grande cidade do mundo tem a sua.
    Após conferirmos o troco, meus amigos e eu saímos da loja, e qual não é a nossa surpresa ao constatarmos que o conversível vermelho ainda nos espera. 
    Seguimos viagem pelas ruas coloridas da cidade. Lembro-mede passar repetidas vezes por um bar cujo estilo é inconfundível, assemelhando-se a uma taverna do final do século XVIII. Só pude reconhecê-lo através da estátua de um homenzinho, que pendia do alto da janela do segundo andar, reverenciando-se educadamente e mostrando seu chapéu coco. Infelizmente,  não consegui me dar ao luxo de parar ali mesmo na esquina e entrar no bar, ainda que sozinha. A expressão enigmática do tal homenzinho até hoje me causa arrepios, talvez pelo fato de eu não ter me aproximado dele na hora e perceber que tratava-se apenas de  seu sorriso. 
     Não sei quanto tempo lá passei. Só sei que até hoje não voltei.